Os Desafios do Contencioso

Autor Rafaella Marcolini

Os números impressionam: em 2011, pelos cálculos do Conselho Nacional de Justiça, cada juiz da justiça estadual do Rio de Janeiro era responsável por 12.596 processos judiciais.

No mais recente relatório do CNJ, mais de oito milhões de processos aguarda julgamento no Estado, e não tardará para que este numero venha a dobrar, quando, então, teremos a relação de um processo por habitante,.

(fonte: http://www.cnj.jus.br/BOE/OpenDocument/1308221209/OpenDocument/opendoc/openDocument.jsp)

Viramos uma sociedade judicializada, incapaz de lidar com seus próprios conflitos. As tentativas de mudança a este quadro começam pelos projetos de lei que se multiplicam no Congresso, desaguando na busca de soluções não judiciais de conflitos, e, dentre elas, a mais festejada, é o acordo ou a mediação.

Mas, será que estamos realmente disponíveis a resolver nossos problemas sem intervenção judicial?

Na maior parte dos processos judiciais que patrocinamos nos últimos anos, as tentativas de acordo foram rejeitadas pelas partes, o acordo é, de um modo geral, encarado, apenas, como uma forma de antecipação de uma decisão favorável e não como uma ferramenta de concessão mútua, em que ambas as partes recuam individualmente para avançarem conjuntamente a um fim que seja melhor para ambas.

No conforto da dúvida, que se aguarde, anos e anos, pela expectativa de uma decisão positiva. E se ela não vier, que se aguarde, por mais alguns anos, pela possibilidade, cada vez mais remota e improvável, de uma reforma daquela decisão. Preferimos esperar a resolver.

Não temos a cultura da autosolução, mas, sim, a de delegação da decisão a um terceiro. Terceirizar responsabilidade é, no mais das vezes, eliminar a responsabilidade, algo em que somos especialistas, como bem se tem visto pelas manchetes recentes dos jornais.

A resistência, cada vez maior, de buscar um consenso envolve, talvez, uma visão distorcida e amplificada de questões pessoais e egocêntricas que confundem a análise focada e objetiva que deve prevalecer na apreciação de um problema.

Não raro vemos consumidores tão inconformados com o tratamento recebido durante uma prestação de serviço falha ou ineficiente que prometem, na frente do juiz :’ não faço acordo mesmo, depois de tudo que passei, vou até o fim agora”, como se o maior prejudicado desta decisão não fosse o próprio consumidor, que terá seu sofrimento prolongado com processos judiciais intermináveis, cartórios sobrecarregados de pendências e papéis, juízes completamente estafados e desmotivados, enquanto o prestador de serviços permanecerá no seu trono de ineficiência, e de lá só será retirado, não pela revolta de consumidores isolados ou de decisões judiciais que são questionadas até as derradeiras instâncias, mas por obra de agências reguladoras que sejam realmente eficientes em fiscalizar e punir.

Ao Judiciário e a seus operadores não cabe o papel de decidir, por exemplo, o cardápio doméstico de crianças cujos pais sequer conseguem se comunicar, ou a de substituir a autoridade, legal e moral, daqueles que não conseguem definir, juntos, o rumo dos filhos que fizeram, tampouco se esforçam para colocar o interesse dessas crianças a salvo de seus egos feridos.

Como exigir que essas pessoas possam ser protagonistas de suas decisões apenas mudando as leis, e obrigando-as a isso?

Como transformar uma sociedade acomodada pela prática reiterada de delegar seus próprios conflitos em agentes desta mudança que está por vir, em que a lei irá instituir o primado do acordo e da mediação?

Antes de mais nada, precisamos educar a sociedade para que amadureça, e deixe a zona de conforto adolescente em que vive, sendo capaz, a partir daí, de gerir seus conflitos, e a ter discernimento para decidir sobre eles, assumindo, finalmente, a necessidade e a importância da busca de meios alternativos na solução de seus conflitos. O processo judicial virá, neste novo modelo, como a exceção da ausência de consenso. Não servirá, mais, a posturas revanchistas, como temos visto, que em nada contribuem para a idéia de justiça social.

Todos ansiamos por uma Justiça mais célere, e de fato chegamos a um ponto em que não há como avançar sem mudanças significativas, no entanto, temos que começar a rever nossas expectativas, visto que, enquanto estivermos nas vestes do consumidor indignado ou do pai ausente, só a Justiça, cada vez mais lenta e sobrecarregada, poderá responder por nós.


Sócios e Amigos – Fórmula de Sucesso ou Armadilha da Psique?

Autor Simone Kamenetz

Em recente artigo postado, tratamos das formas de prevenir litígios numa sociedade limitada. Da receita a ser seguida, constam um contrato social bem estruturado, um acordo de sócios abrangente e limites bem estabelecidos.

Abordamos as consequência de sociedade entre pessoas que pouco ou nada se conhecem, mas que, na ânsia de constituírem seu próprio negócio, acreditam que a união entre o capital de um e a alegada expertise do outro é a fórmula para o sucesso inevitável. Essa certeza costuma naufragar com relativa rapidez e dolorosos prejuízos na maioria dos casos.

Mas… e as sociedades constituídas entre amigos? Pessoas que se conhecem há muitos anos, mas que jamais estiveram na situação de dividir interesses comerciais – quais as chances de sucesso?

Evidentemente, a resposta a essas perguntas tende a uma lógica elementar, pela qual duas ou mais pessoas que sejam amigas, com uma relação pessoal bem sucedida, certamente se relacionarão com o mesmo sucesso numa iniciativa profissional. Afinal, a amizade duradoura seria a garantia da lealdade, honestidade e da sinergia fundamentais para que a sociedade nasça sob os desígnios dos resultados positivos. Ou não?

Enquanto os sócios que mal se conhecem padecem de bases para alicerçar uma confiança mútua e uma certeza da competência e do profissionalismo de cada um, aqueles que se conhecem muito bem socialmente carecem de outros ângulos de perspectiva e excedem em certezas (e cegueiras) perigosas.

Grandes amigos conhecem os segredos e as fragilidades uns dos outros, vantagem que, numa disputa societária, transformará o ex-amigo num inimigo acima da média, com um know-how perigoso.

Uma relação de amizade, que usualmente não envolve interesses financeiros, pode suprimir a capacidade de um julgamento imparcial sobre a conveniência de levar a amizade a um outro nível de relacionamento – o comercial. Afinal, laços de amizade não são atestados de competência ou integridade incondicional.

Associar-se a um amigo é, de fato, menos arriscado do que associar-se a um desconhecido; no entanto, todas as prevenções e cuidados que devem ser tomados na segunda hipótese não podem ser negligenciados na primeira. A ideia de que uma sociedade feita de amigos será, sempre, conduzida pela boa-fé ou à prova de litígios é tão equivocada quanto a impressão de que dois desconhecidos, sendo um capitalista e outro um alegado expert no objeto da sociedade, podem prescindir de acordos bem costurados que garantam um bom início, um desenvolvimento seguro e, se for o caso, um fim sem ruídos. Associar-se a amigos leva à equivocada certeza de que os cuidados necessários para uma segurança jurídica estão dispensados, e que acordos verbais são suficientes para garantir o cumprimento das obrigações assumidas.

Litígios entre desconhecidos ou pessoas sem grande ou nenhum laço afetivo já são, por si só, extenuantes, tanto do ponto de vista emocional, quanto financeiro. Mas litígio entre ex-amigos, originado por disputas sobre lealdade ou dinheiro, esse pode ser esmagador. As questões jurídicas adquirem contornos passionais, especialmente quando uma das partes percebe que aquele amigo de tantos anos, a pessoa em quem cega confiança foi depositada, não passa de um estranho, para quem os interesses ou as vantagens financeiras – seja a pessoa merecedora ou não deles –, justificam qualquer meio para se alcançar o fim pretendido.

Em casos de sociedade entre amigos, além de todas as medidas de segurança jurídica necessárias, aconselha-se que se inclua no contrato social e no acordo entre sócios uma cláusula de mediação e conciliação no artigo relativo às disputas. Mas atenção: o mediador/conciliador deve ser uma pessoa preparada, de preferência de alguma Câmara especializada e com reconhecimento nesse segmento de atuação. Uma disputa judicial em situações que envolvam emoções agudas tem grandes chances de aniquilar psiquicamente os envolvidos, e qualquer vitória será embaciada pelas derrotas e perdas irreparáveis que se sucederão no curso do litígio; mas um mediador/conciliador despreparado é tão ou mais nefasto que uma disputa judicial, pois sua condução atrapalhada ou incompetente do processo pode acirrar ainda mais os ânimos e fechar toda e qualquer possibilidade de um acordo honesto e justo.


Sociedade Limitada – Prevenindo o Litígio

Autor Simone Kamenetz

Boas cercas fazem bons vizinhos. Em sociedade, limites claros fazem bons relacionamentos, mas uma parcela expressiva das pessoas parece desconhecer essa norma básica de boa convivência. Esse desconhecimento se torna ainda mais agudo quando a empolgação para iniciar seu próprio negócio oblitera a prudência.

O art. 981 do Código Civil estabelece que “celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”.

Ou seja, uma sociedade, para existir e se desenvolver, depende da contribuição de seus sócios, e estes, para bem suceder em sua empreitada, precisam estabelecer uma relação pautada em limites bem estabelecidos, confiança mútua e honestidade de propósito.

Na ânsia de ver a sociedade constituída e em funcionamento, os sócios não cuidam de construir um contrato social ajustado para o negócio a ser desenvolvido e ao perfil das pessoas a quem estão se associando. Modelos-padrão são oferecidos por profissionais não qualificados para a matéria, prometendo uma simplicidade que, não raro, torna complicada a vida social.

A ideia geral (e equivocada) é de que o contrato social presta-se, tão somente, como instrumento de formalização da sociedade, um documento necessário para iniciar as atividades empresariais.

O contrato social não regula a vida diária dos sócios na sociedade; trata-se de um documento que estabelece as regras estruturais do empreendimento. Capital social e sua divisão; objeto do negócio; administração; deliberação; apuração de haveres e foro são as cláusulas-padrão dos contratos sociais.

No entanto, essa condição não retira desses artigos a importância de estarem redigidos e negociados com os detalhamentos necessários para o seu cumprimento efetivo.

Paralelamente ao contrato social, é preciso regular o relacionamento entre os sócios, no dia-a-dia da condução dos negócios objeto da sociedade. Um sem número de situações podem (e devem) estar previstas no acordo de sócios, dependendo das peculiaridades da sociedade.

Tão importante quanto bons contratos é conhecer bem o sócio com quem se dividirá os deveres, as obrigações, lucros e os eventuais prejuízos da sociedade. Um fato corriqueiro é o de pessoas que se associam com quase desconhecidos, que se apresentam como pessoas qualificadas para o desempenho de certas funções específicas, ou com um know-how que, mais adiante, se revelará insuficiente ou inexistente.

Igualmente comum é a disposição das pessoas em investir suas economias num negócio, tomando como sócio um autodenominado expert no objeto do negócio ou na administração, dando-lhe , por isso, uma participação relevante, na expectativa de que essa expertise se transformará em dividendos. Casos assim não costumam acabar bem.

Por todas as razões, é preciso que, antes de constituir uma sociedade e investir recursos no empreendimento, é de fundamental importância:

(i) entender que, nesse caso, o provérbio “antes só do que mal acompanhado” cai como uma luva nessa situação e, portanto, aproveitar-se do novo formato societário trazido pela lei nº 12.441/2011, que alterou o Código Civil, para incluir, entre as naturezas jurídicas societárias, a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELi (em breve, traremos um artigo dedicado a essa tipo societário);

(ii) se precisar de algum expert para desenvolver parte da atividade que se pretende constituir, antes contratá-lo, seja como empregado ou consultor, a tê-lo como sócio, até que a rotina do convívio diário ou eventual, mas permanente, forneça os elementos para um julgamento mais seguro da possibilidade de tê-lo como sócio;

(iii) se, de todo, for inevitável formar a sociedade com outra pessoa, será essencial que a sociedade esteja firmada sob premissas e condições bem negociadas, e tenha em seu contrato social as regras basilares que permitam uma administração eficiente, uma política de deliberação equilibrada e a previsão de exclusão do sócio que atente contra os interesses sociais; e

(iv) não menos importante, um acordo entre os sócios que regule seu relacionamento, além de questões sucessórias, direito de voto e contribuição de capital, entre outras cláusulas.

É importante ter em mente, quando se toma a decisão de se associar a uma pessoa numa sociedade limitada, as dificuldades e os custos que serão envolvidos numa disputa judicial. No mais das vezes, quando os sócios já não se entendem, as chances de a sociedade sobreviver a esse desentendimento são pequenas e, quando sobrevive, as perdas ocorridas durante o litígio entre os sócios são significativas.


Os Direitos da Terceira Idade

Autor Ana Clara Leite Almeida

O aumento da expectativa de vida do brasileiro, assim como da população mundial em geral representa, dia após dia, um crescente desafio para as políticas públicas que precisam dar respostas eficazes à proteção dos direitos sociais e civis da pessoa na terceira idade.

Em 1993 verificamos notável avanço dos projetos com o lançamento da Política Nacional do Idoso (Lei 8.842 de 1993), e, dez anos após o seu lançamento, os idosos ganharam um novo postulado dos seus direitos.

Em trâmite na Câmara desde 2003, a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, popularmente conhecida como estatuto do idoso, foi sancionada pelo ex-presidente Lula, e traz normas que visam realizar o preceitos constitucionais que protegem a pessoa humana, elencando um rol de direitos que garantem a acessibilidade e integração dos idosos na sociedade, tais como:

  • atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população; (ii) descontos de pelo menos 50% (cinquenta por cento) nos ingressos para eventos artísticos, culturais, esportivos e de lazer, bem como o acesso preferencial; (iii) prioridade na tramitação dos processos judiciais; (iv) gratuidade nos transportes públicos municipais; (v) prioridade no recebimento da restituição do Imposto de Renda; (Incluído pela Lei nº 11.765, de 2008); (v) vedação a acréscimos realizados pelas seguradoras de saúde levando em conta a cobrança diferenciada por idade; entre outros. (Para conhecer o estatuto do idoso acesse http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm).

Outra diploma legal, a Lei 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social – LOAS, dando conseqüência art. 203, V, da Constituição Federal, assegura a assistência social à velhice e, como ponto alto regula a prestação continuada, que consiste na garantia de 1 um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família (art. 20).

A partir de janeiro de 1998, conforme a Lei Federal nº 9.720, de 1998, a idade mínima para receber o benefício de prestação continuada foi reduzida de 70 para 67 anos. Assim, o idoso que contar hoje 67 anos e que se enquadre nas exigências da lei pode ser contemplado pelo benefício de prestação continuada. O problema é que para receber o benefício de prestação continuada, a renda per capita da família não pode ser superior a ¼ (hum quarto) do salário mínimo.

Além destas previsões em vigor há 10 anos, uma recentíssima alteração concedeu novo direito aos idosos.

Em 2013 foi aprovada na Comissão dos Direitos Humanos no Senado Federal, e em seguida, sancionada, sem vetos, pela ora Presidente Dilma Rousseff, a Lei nº 12.896, de 18 de dezembro de 2013, que acrescentou os §§ 5º e 6º ao art. 15 do Estatuto.

Os acréscimos dispensam os idosos que estejam doentes de comparecer aos órgãos públicos para resolver assuntos pessoais, ou atender a eventuais intimações para comparecimento em órgãos públicos.

Deste modo, quando de interesse do poder público, o agente interessado promoverá o contato necessário com o idoso em sua residência. Entretanto, na hipótese do comparecimento ser de interesse do próprio idoso, este se fará representar por procurador legalmente constituído.

As normas de proteção ao idoso possuem caráter impositivo, assim, quando desrespeitadas, podem e devem ser denunciadas ao Ministério Público.

O PROCON (quando o descumprimento se relacionar com relações de consumo), e ao Núcleo Especializado da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, o NEAPI (Núcleo Especial de Atendimento à Pessoa Idosa – Rua General Justo, n.º 335, Loja A, Centro, Rio de Janeiro) também podem ser procurados para reclamações, ou tutela do direito lesado.


O Direito ao esquecimento

Autor Rafaella Marcolini

Um dos mais renomados pesquisadores na área da Memória nos últimos 50 James McGaugh, da Universidade de Califórnia, num livro publicado em 1971, apontou que “o aspecto mais notável da memória é o esquecimento” (Harlow et al., 1971).

Certamente, quando fez esta análise, o pesquisador sequer poderia intuir que cinquenta anos depois seríamos bombardeados com o excesso de estímulos a que estamos atualmente sujeitos, tampouco poderia supor a existência de uma memória que não morre jamais, a memória virtual, registrada na internet.

O direito ao esquecimento recentemente alcançou os tribunais sob dois aspectos distintos: a questão das biografias e a questão penal, que analisaremos neste artigo.

A controvérsia resume-se a duas perguntas-chave: ser lembrado é um direito? Ou, temos o direito de ser esquecidos?

Na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica a tese do cancelamento dos dados criminais na folha de antecedentes, após a absolvição ou cumprimento das penas, com base no artigo 748 do Código de Processo Penal.

Para o STJ, o criminoso que paga a sua dívida com a sociedade tem, sim, o direito de ser esquecido, em prol da esperança da recuperação (“vínculo do futuro com o presente”) em contraponto à memória do erro (“conexão do presente com o passado”).

Para a construção dos pilares de um “direito ao esquecimento” no ordenamento brasileiro, o ministro Luís Felipe Salomão colheu precedentes norte-americanos e alemães, respectivamente, dos casos “Melvin vs. Reid” (1931) e “Lebach”, em voto histórico proferido no Recurso Especial nº 1334097/RJ.

O ministro entendeu que:

assim como é acolhido no direito estrangeiro, não tenho dúvida da aplicabilidade do direito ao esquecimento no cenário interno, com olhos centrados não só na principiologia decorrente dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana, mas também diretamente no direito positivo infraconstitucional”.

A discussão acima veio à tona no Recurso Especial 1334097/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 28/05/2013, DJe 10/09/2013 -O direito ao esquecimento na Chacina da Candelária.

No processo judicial em análise, um cidadão foi indiciado como partícipe da sequência de homicídios ocorridos em 23 de julho de 1993, na cidade do Rio de Janeiro, conhecidos como Chacina da Candelária, mas, ao final, submetido a Júri, foi absolvido por negativa de autoria.

Apesar disso, no ano de 2006, repórteres do programa Linha Direta-Justiça, da TV Globo, procuraram-no para entrevistá-lo sobre esses trágicos acontecimentos, reavivando o fato e expondo, o mencionado cidadão, a um novo julgamento social.

Essa situação levou-o a mover uma ação ordinária, com pedido de danos morais, contra a TV Globo.

Em primeiro grau, julgou-se improcedente o pedido do autor. No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, decidiu-se pela condenação da empresa de comunicação onde o programa foi veiculado, decisão igualmente mantida na instância superior.

A despeito do direito ao esquecimento ser analisado caso a caso, ou seja, não ser absoluto, como, aliás, qualquer direito, algumas conclusões e trechos deste acórdão merecem ser compartilhados:

  • “Um dos danos colaterais da “modernidade líquida” tem sido a progressiva eliminação da “divisão, antes sacrossanta, entre as esferas do ‘privado’ e do ‘público’ no que se refere à vida humana”, de modo que, na atual sociedade da hiperinformação, parecem evidentes os “riscos terminais à privacidade e à autonomia individual, emanados da ampla abertura da arena pública aos interesses privados [e também o inverso], e sua gradual, mas incessante transformação numa espécie de teatro de variedades dedicado à diversão ligeira” (BAUMAN, Zygmunt. Danos colaterais: desigualdades sociais numa era global. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2013, pp. 111-113). Diante dessas preocupantes constatações, o momento é de novas e necessárias reflexões, das quais podem mesmo advir novos direitos ou novas perspectivas sobre velhos direitos revisitados.”
  • “Se os condenados que já cumpriram a pena têm direito ao sigilo da folha de antecedentes, assim também a exclusão dos registros da condenação no Instituto de Identificação, por maiores e melhores razões aqueles que foram absolvidos não podem permanecer com esse estigma, conferindo-lhes a lei o mesmo direito de serem esquecidos.”
  • “Com efeito, o reconhecimento do direito ao esquecimento dos condenados que cumpriram integralmente a pena e, sobretudo, dos que foram absolvidos em processo criminal, além de sinalizar uma evolução cultural da sociedade, confere concretude a um ordenamento jurídico que, entre a memória – que é a conexão do presente com o passado – e a esperança – que é o vínculo do futuro com o presente –, fez clara opção pela segunda. E é por essa ótica que o direito ao esquecimento revela sua maior nobreza, pois afirma-se, na verdade, como um direito à esperança, em absoluta sintonia com a presunção legal e constitucional de regenerabilidade da pessoa humana.”
  • “Ressalvam-se do direito ao esquecimento os fatos genuinamente históricos – historicidade essa que deve ser analisada em concreto -, cujo interesse público e social deve sobreviver à passagem do tempo, desde que a narrativa desvinculada dos envolvidos se fizer impraticável.”

E você, o que pensa sobre isso?