Sócios e Amigos – Fórmula de Sucesso ou Armadilha da Psique?

Autor Simone Kamenetz

Em recente artigo postado, tratamos das formas de prevenir litígios numa sociedade limitada. Da receita a ser seguida, constam um contrato social bem estruturado, um acordo de sócios abrangente e limites bem estabelecidos.

Abordamos as consequência de sociedade entre pessoas que pouco ou nada se conhecem, mas que, na ânsia de constituírem seu próprio negócio, acreditam que a união entre o capital de um e a alegada expertise do outro é a fórmula para o sucesso inevitável. Essa certeza costuma naufragar com relativa rapidez e dolorosos prejuízos na maioria dos casos.

Mas… e as sociedades constituídas entre amigos? Pessoas que se conhecem há muitos anos, mas que jamais estiveram na situação de dividir interesses comerciais – quais as chances de sucesso?

Evidentemente, a resposta a essas perguntas tende a uma lógica elementar, pela qual duas ou mais pessoas que sejam amigas, com uma relação pessoal bem sucedida, certamente se relacionarão com o mesmo sucesso numa iniciativa profissional. Afinal, a amizade duradoura seria a garantia da lealdade, honestidade e da sinergia fundamentais para que a sociedade nasça sob os desígnios dos resultados positivos. Ou não?

Enquanto os sócios que mal se conhecem padecem de bases para alicerçar uma confiança mútua e uma certeza da competência e do profissionalismo de cada um, aqueles que se conhecem muito bem socialmente carecem de outros ângulos de perspectiva e excedem em certezas (e cegueiras) perigosas.

Grandes amigos conhecem os segredos e as fragilidades uns dos outros, vantagem que, numa disputa societária, transformará o ex-amigo num inimigo acima da média, com um know-how perigoso.

Uma relação de amizade, que usualmente não envolve interesses financeiros, pode suprimir a capacidade de um julgamento imparcial sobre a conveniência de levar a amizade a um outro nível de relacionamento – o comercial. Afinal, laços de amizade não são atestados de competência ou integridade incondicional.

Associar-se a um amigo é, de fato, menos arriscado do que associar-se a um desconhecido; no entanto, todas as prevenções e cuidados que devem ser tomados na segunda hipótese não podem ser negligenciados na primeira. A ideia de que uma sociedade feita de amigos será, sempre, conduzida pela boa-fé ou à prova de litígios é tão equivocada quanto a impressão de que dois desconhecidos, sendo um capitalista e outro um alegado expert no objeto da sociedade, podem prescindir de acordos bem costurados que garantam um bom início, um desenvolvimento seguro e, se for o caso, um fim sem ruídos. Associar-se a amigos leva à equivocada certeza de que os cuidados necessários para uma segurança jurídica estão dispensados, e que acordos verbais são suficientes para garantir o cumprimento das obrigações assumidas.

Litígios entre desconhecidos ou pessoas sem grande ou nenhum laço afetivo já são, por si só, extenuantes, tanto do ponto de vista emocional, quanto financeiro. Mas litígio entre ex-amigos, originado por disputas sobre lealdade ou dinheiro, esse pode ser esmagador. As questões jurídicas adquirem contornos passionais, especialmente quando uma das partes percebe que aquele amigo de tantos anos, a pessoa em quem cega confiança foi depositada, não passa de um estranho, para quem os interesses ou as vantagens financeiras – seja a pessoa merecedora ou não deles –, justificam qualquer meio para se alcançar o fim pretendido.

Em casos de sociedade entre amigos, além de todas as medidas de segurança jurídica necessárias, aconselha-se que se inclua no contrato social e no acordo entre sócios uma cláusula de mediação e conciliação no artigo relativo às disputas. Mas atenção: o mediador/conciliador deve ser uma pessoa preparada, de preferência de alguma Câmara especializada e com reconhecimento nesse segmento de atuação. Uma disputa judicial em situações que envolvam emoções agudas tem grandes chances de aniquilar psiquicamente os envolvidos, e qualquer vitória será embaciada pelas derrotas e perdas irreparáveis que se sucederão no curso do litígio; mas um mediador/conciliador despreparado é tão ou mais nefasto que uma disputa judicial, pois sua condução atrapalhada ou incompetente do processo pode acirrar ainda mais os ânimos e fechar toda e qualquer possibilidade de um acordo honesto e justo.