Até há muito pouco tempo atrás considerado como providência cara e dispensável pela maioria dos empresários do país, o programa de compliance corporativo tomou significativa dimensão a partir do julgamento da Ação Penal 470 – vulgarmente conhecida como Mensalão –, adquirindo uma magnitude jamais vista depois do evento da Operação Lava Jato.
O Mensalão estabeleceu um marco na implementação de medidas de combate à corrupção. Entre essas medidas, foi aprovada a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), que visa a coibir as relações promíscuas entre empresas e órgãos públicos, penalizando criminalmente o corruptor e a empresa pelo oferecimento de vantagem a agente público em benefício próprio. Ou seja, uma grande inovação trazida pela Lei nº 12.846/2013 é a responsabilização das pessoas jurídicas pelos atos ilícitos praticados em seu interesse e benefíciopor seus dirigentes ou administradores. As penas aplicáveis à pessoa jurídica pela prática de atos considerados corruptos são muito severas, incluindo a extinção da empresa.
A responsabilização das empresas por crimes de corrupção pode ser novidade para os empresários brasileiros, mas não é uma invenção recente. Em decisão datada de 1860, a Corte de Apelação de Nova Iorque decidiu que não responsabilizar as companhias por danos as tornaria num dos “monstros mais perniciosos” (Bissell v. Mich. S.R.R. Co.). Em 1909, ao julgar o caso New York Central & River Railroad v. United States, a Suprema Corte americana reconheceu que as empresas poderiam ser responsabilizadas por crime cometido por qualquer empregado. O caso tornou-se um marco ao consagrar o entendimento de que nenhuma regulação seria efetiva se apenas os empregados e dirigentes pudessem ser penalizados pela prática de crimes de corrupção, uma vez que esses atos seriam praticados, afinal, em benefício da empresa para a qual os indivíduos são apenas instrumentos.
Os programas de compliance originaram-se, portanto, nos Estados Unidos, mais ou menos na virada do século XX, com o surgimento das agências reguladoras. Atualmente, com a multiplicação dessas agências, os compliances aplicáveis às empresas devem observar o cumprimento de um considerável volume de normas das mais variadas áreas do Direito, como ambiental, econômico e criminal, este último com foco na prevenção da prática de atos que resultem na tipificação dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
Nesse sentido, o programa de compliance corporativo objetiva estabelecer mecanismos internos pelas companhias para identificar e prevenir práticas ilícitas por seus dirigentes e executivos que possam resultar em demandas administrativas e judiciais.O termo compliance, originário do verbo tocomply, significa cumprir, executar, estar em conformidade com leis, regulamentos, políticas e normas internas, de forma a assegurar a aplicação das melhores práticas de mercado e de Governança Corporativa.
A Lei nº 12.846, também chamada de Lei da Empresa Limpa e regulamentada pelo Decreto nº 8.420/2015, estabeleceu a responsabilidade objetiva de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública.Um dos favores legais estabelecidos pelo Decreto 8.420 é o de permitir a redução da multa imputada à empresa pela responsabilidade na prática de crimes de corrupção.
Os programas de compliance são regulados, também, por normas administrativas, como a Portaria CGU nº 909/2015, que dispõe sobre a avaliação dos programas de integridade de pessoas jurídicas, com um foco especial sobre a orientação de como aferir o desempenho da empresa no cumprimento do programa de compliance para fins da obtenção de créditos positivos na prática de conformidade à política de anticorrupção.
A hora é a de ajuste e adaptação. As empresas brasileiras devem voltar sua atenção para seus procedimentos internos, estabelecendo rotinas que as protejam contra uma cultura de procedimentos que, após o Mensalão e a Lava Jato, pode representar a sentença de morte da corporação. Para isso, deve começar pela implementação de um programa de conformidade, adequando os padrões de conduta de seus dirigentes e executivos àqueles exigidos por lei.