Os números impressionam: em 2011, pelos cálculos do Conselho Nacional de Justiça, cada juiz da justiça estadual do Rio de Janeiro era responsável por 12.596 processos judiciais.
No mais recente relatório do CNJ, mais de oito milhões de processos aguarda julgamento no Estado, e não tardará para que este numero venha a dobrar, quando, então, teremos a relação de um processo por habitante,.
(fonte: http://www.cnj.jus.br/BOE/OpenDocument/1308221209/OpenDocument/opendoc/openDocument.jsp)
Viramos uma sociedade judicializada, incapaz de lidar com seus próprios conflitos. As tentativas de mudança a este quadro começam pelos projetos de lei que se multiplicam no Congresso, desaguando na busca de soluções não judiciais de conflitos, e, dentre elas, a mais festejada, é o acordo ou a mediação.
Mas, será que estamos realmente disponíveis a resolver nossos problemas sem intervenção judicial?
Na maior parte dos processos judiciais que patrocinamos nos últimos anos, as tentativas de acordo foram rejeitadas pelas partes, o acordo é, de um modo geral, encarado, apenas, como uma forma de antecipação de uma decisão favorável e não como uma ferramenta de concessão mútua, em que ambas as partes recuam individualmente para avançarem conjuntamente a um fim que seja melhor para ambas.
No conforto da dúvida, que se aguarde, anos e anos, pela expectativa de uma decisão positiva. E se ela não vier, que se aguarde, por mais alguns anos, pela possibilidade, cada vez mais remota e improvável, de uma reforma daquela decisão. Preferimos esperar a resolver.
Não temos a cultura da autosolução, mas, sim, a de delegação da decisão a um terceiro. Terceirizar responsabilidade é, no mais das vezes, eliminar a responsabilidade, algo em que somos especialistas, como bem se tem visto pelas manchetes recentes dos jornais.
A resistência, cada vez maior, de buscar um consenso envolve, talvez, uma visão distorcida e amplificada de questões pessoais e egocêntricas que confundem a análise focada e objetiva que deve prevalecer na apreciação de um problema.
Não raro vemos consumidores tão inconformados com o tratamento recebido durante uma prestação de serviço falha ou ineficiente que prometem, na frente do juiz :’ não faço acordo mesmo, depois de tudo que passei, vou até o fim agora”, como se o maior prejudicado desta decisão não fosse o próprio consumidor, que terá seu sofrimento prolongado com processos judiciais intermináveis, cartórios sobrecarregados de pendências e papéis, juízes completamente estafados e desmotivados, enquanto o prestador de serviços permanecerá no seu trono de ineficiência, e de lá só será retirado, não pela revolta de consumidores isolados ou de decisões judiciais que são questionadas até as derradeiras instâncias, mas por obra de agências reguladoras que sejam realmente eficientes em fiscalizar e punir.
Ao Judiciário e a seus operadores não cabe o papel de decidir, por exemplo, o cardápio doméstico de crianças cujos pais sequer conseguem se comunicar, ou a de substituir a autoridade, legal e moral, daqueles que não conseguem definir, juntos, o rumo dos filhos que fizeram, tampouco se esforçam para colocar o interesse dessas crianças a salvo de seus egos feridos.
Como exigir que essas pessoas possam ser protagonistas de suas decisões apenas mudando as leis, e obrigando-as a isso?
Como transformar uma sociedade acomodada pela prática reiterada de delegar seus próprios conflitos em agentes desta mudança que está por vir, em que a lei irá instituir o primado do acordo e da mediação?
Antes de mais nada, precisamos educar a sociedade para que amadureça, e deixe a zona de conforto adolescente em que vive, sendo capaz, a partir daí, de gerir seus conflitos, e a ter discernimento para decidir sobre eles, assumindo, finalmente, a necessidade e a importância da busca de meios alternativos na solução de seus conflitos. O processo judicial virá, neste novo modelo, como a exceção da ausência de consenso. Não servirá, mais, a posturas revanchistas, como temos visto, que em nada contribuem para a idéia de justiça social.
Todos ansiamos por uma Justiça mais célere, e de fato chegamos a um ponto em que não há como avançar sem mudanças significativas, no entanto, temos que começar a rever nossas expectativas, visto que, enquanto estivermos nas vestes do consumidor indignado ou do pai ausente, só a Justiça, cada vez mais lenta e sobrecarregada, poderá responder por nós.